segunda-feira, 1 de março de 2010

Veículos de guerra vão parar em ferro velho

Caminhões desviados à luz do dia de quartel do Rio são oferecidos a colecionadores

Veículos de guerra, viaturas do Exército Brasileiro estão sendo vendidas em ferros-velhos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Usados pelas tropas americanas na Guerra da Coréia, no início dos anos 50, jipes e caminhões que deveriam estar guardados no Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar, em Magalhães Bastos, foram encontrados por equipe de O DIA escondidos em depósitos clandestinos.

Negociados a peso de ouro com colecionadores de vários estados do País, principalmente São Paulo, os veículos são garantia de lucro alto para os envolvidos no esquema. Em alguns casos, as viaturas chegam a custar R$ 30 mil, só a lataria, sem motor. Se estiverem completos e em bom estado de conservação, os veículos podem custar até R$ 70 mil no mercado de colecionadores.


Quando não são vendidas por inteiro, as viaturas são desmontadas e as peças comercializadas uma a uma, garatindo ganhos ainda maiores para quem desvia o material das unidades militares. Formada por civis e militares, a quadrilha já teria lucrado R$ 600 mil com o extravio de, pelo menos, 20 equipamentos entre peças e viaturas.


Durante três semanas O DIA visitou alguns desses ferros-velhos. Num dos endereços, em Itaboraí, nossa equipe encontrou vários veículos oficias e várias peças que seriam de viaturas do Exército. Pelo menos dois caminhões e um capô de caminhão foram retirados de maneira clandestinamente do Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar.


Com uma microcâmera escondida foi possível fazer imagens do material e do local onde eram mantidos à espera de uma boa oferta. Sem saber que estavam sendo filmados, um casal dono de um dos ferros-velhos contou que já estão no ramo há 20 anos.


Procurado para falar sobre os desvios, o Comando Militar do Leste informou que foi aberto um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar o caso. O IPM, no entanto, só foi instaurado após a conclusão de uma sindicância que confirmou a entrada de pessoas não autorizadas — civis e militares — em áreas restritas do quartel onde eram guardadas as viaturas.


As investigações ainda estão em andamento, mas informações já obtidas pelos oficiais que conduzem o IPM indicam que entre as peças que desapareceram dos depósitos do Parque Regional de Manutenção da 1ª Região Militar estão: motor e caixas de transferências de caminhão do tipo REO, motor de ônibus Mercedes Benz e de Jeep modelo JPX, entre outras. Até um caminhão inteiro sumiu dentro da unidade.


As peças teriam saído do quartel a preços que variaram entre R$ 1 mil e R$ 4 mil. Já o caminhão inteiro negociado por R$ 7 mil. O dinheiro teria sido pago a militares que facilitaram o acesso dos civis aos depósitos e também a saída do material do quartel do Exército.


Para que sejam vendidas, as peças e veículos militares devem ser alienadas através de leilão ou licitação pública. Nestes casos os interessados devem ser avisados por meio de cartas-convite ou editais publicados em Diário Oficial. Tais procedimentos, no entanto, não foram realizados.


Ao que tudo indica, os responsáveis pelos desvios apostaram na falta de controle interno do Exército, que possui a relação de todas as viaturas que foram declaradas inúteis, ou ‘descarregadas’ na linguagem interna. Como já se sabe que a retirada dos veículos ocorreu em momentos variados — dentro e fora do horário de expediente — e de maneira dissimulada, oficiais em postos de comando e praças encarregados pela guarda do material desviado serão chamados para depor no IPM. Os colecionadores que compraram o material no mercado paralelo também podem responder criminalmente por receptação de material roubado do Exército.


As investigações começaram após denúncia de donos de ferros-velhos especializados no comércio de sucatas de carros militares. Eles reclamaram do sumiço das peças mais procuradas por colecionadores das concorrências públicas em que o Exército negocia equipamentos que não tem mais utilidade para a Força.



A escassez de peças não condizia, segundo eles, com o programa de desmobilização de viaturas que é acompanhado de perto por estes comerciantes. Apesar de se sentirem prejudicados, eles temiam que a sindicância interna demorasse a estancar o extravio das peças que, no mercado de colecionadores, estão sendo vendidas acima dos preços habituais.

Cruzamento de dados revelerá total desviado


Para tomar conhecimento do extravio é necessario cruzar o que existe fisicamente nos quartéis com o que foi alienado em leilão e com que consta no papel como contando dops depósitos. Sem a denúncia que agora é investigada pelo Comando Militar esse cruzamento poderia nunca ser feito ou ser feito tardiamente quando não daria mais para localizar o paradeiro do material extraviado.


Como os extravios ocorreram durante o expediente e fora dele, de maneira dissimulada, oficiais em postos de comando e praças encarregados pela guarda do material desviado serão chamados a depor no Inquérito Policial Militar.


“Com a divulgação na mídia provavelmente o comandante Militar do Leste ou da 1ª Região Militar colocarão pressão para que a investigação ocorra com eficiência para dar uma resposta à sociedade, principalmente porque há a possibilidade de o Ministério Público Militar solicitar esclarecimentos”, aposta dono de ferro velho.


“O importante é provocar os investigadores, pois ficarão com receio de e se complicarem com a justiça militar”, completa.
(Jornal O Dia)

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