quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Ônibus a etanol entra em circulação no Brasil

USP apresenta veículo com emissão quase nula de poluentes, como parte do Projeto BEST, idealizado pela universidade, com apoio de oito parceiros e incentivado pela União Européia

A Universidade de São Paulo (USP), por meio do Cenbio (Centro Nacional de Referência em Biomassa) do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE), apresenta hoje o ônibus movido a etanol (álcool hidratado combustível). O veículo vai circular durante um ano em São Paulo, a partir de dezembro, como teste para demonstração de viabilidade, no corredor Jabaquara - São Matheus, com parada em nove terminais e atendimento a quatro municípios: São Paulo, Diadema, São Bernardo do Campo e Santo André.


A ação é uma iniciativa do Cenbio e mais oito parceiros: BAFF/SEKAB, Copersucar, EMTU/SP, SPTrans, Marcopolo, Petrobras - por meio do Conpet (Programa Nacional da Racionalização do Uso dos Derivados do Petróleo e do Gás Natural) e da Petrobras Distribuidora -, Scania e Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), com incentivo da União Européia. O investimento no Projeto BEST é da ordem de R$ 1,6 milhão.


O veículo será incorporado à frota da operadora Metra (Sistema Metropolitano de Transporte), indicada pela EMTU/SP (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo), e por mais uma operadora escolhida pela SPTrans (São Paulo Transporte), que gerencia o transporte de ônibus na capital paulista. No período de teste, o ônibus será comparado a um outro do mesmo modelo a diesel.


O ônibus a etanol é o principal foco do Projeto BEST (BioEthanol for Sustainable Transport ou Bioetanol para o Transporte Sustentável), programa internacional coordenado no Brasil pelo Cenbio. A missão do projeto é sensibilizar o mundo sobre a importância do uso do etanol no transporte público, que reduz em até 90% a emissão de material particulado lançado na atmosfera.


O Brasil é primeiro país das Américas a ter ônibus movido a etanol em circulação pelo BEST. Outras oito cidades da Europa e Ásia participam do programa: Estocolmo (Suécia), Madri e País Basco (Espanha), Roterdam (Holanda), La Spezia (Itália), Somerset (Inglaterra), Nanyang (China) e Dublin (Irlanda).


O professor doutor da USP José Roberto Moreira, presidente do Conselho Gerenciador do Cenbio e principal articulador do BEST, afirma que o momento é muito favorável para o programa no Brasil. "É uma alternativa para diminuir a poluição das regiões metropolitanas, onde a tecnologia será demonstrada", comenta.


Os parceiros informam que a tecnologia está disponível e tecnicamente aperfeiçoada o que é amplamente demonstrado na Suécia, além de existirem antecedentes da iniciativa no Brasil. "Houve uma experiência há oito anos em São Paulo, em que os resultados foram excelentes do ponto de vista ambiental, porém modestos do ponto de vista econômico, devido a diferença de preço entre o óleo diesel e o etanol, o que esperamos superar com a nova geração do motor e também do aditivo. Hoje, o óleo diesel custa quase o dobro do etanol e existe a tendência de contínua elevação do preço do petróleo”, diz o professor Moreira.


O papel de cada parceiro

o BAFF/SEKAB – fornecer o aditivo para o etanol.
o Copersucar - importar da Suécia o primeiro lote de etanol aditivado.
o EMTU/SP e SPTrans - viabilizar os testes em uma de suas operadoras.
o Marcopolo - fornecer e montar a carroceria do ônibus para demonstração.
o Petrobras - importar o aditivo, misturá-lo ao etanol e distribuir nas operadoras.
o Scania - importar o chassi e o motor.
o Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) - fornecer o etanol para os testes.

Motor respeita hoje normas de poluição que entram em vigor na Europa só em 2009


O motor proposto pela Scania é avançado até para os padrões europeus no quesito poluentes. O motor a ser utilizado em 2008 tem injeção eletrônica, atende rígidas especificações, como a EURO 5 e EEV (Enhanced Environmentally Friendly Vehicles ou Veículos Excepcionalmente Compatíveis com o Meio Ambiente), normas que serão obrigatórias na União Européia só a partir de 2009. “Espera-se, com isso, um ganho substancial correspondente à redução das emissões poluentes”, afirma o professor José Roberto Moreira.

“O motor que será comercializado em 2008 é mais avançado do que o fornecido para os testes, que se iniciam em 2007, pois já atende normas européias em vigor atualmente, mesmo sendo uma versão anterior”, diz o pesquisador. O ônibus em demonstração hoje e que circula até o final do ano é equipado com motor de injeção mecânica que atende às especificações EURO 4 – versão que cumpre e supera as exigências do CONAMA P5, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, no que diz respeito às emissões de poluentes locais - particulados, óxido de nitrogênio (NOX) e monóxido de carbono (CO).

Para o Cenbio, o uso desta tecnologia é um enorme progresso, uma vez que, no Brasil, os limites de poluição tolerados são mais altos e devem atender apenas às exigências do padrão EURO 3. A expectativa é que essa vantagem e o exemplo do BEST em São Paulo atraiam a atenção de outras regiões do Brasil para o produto. Enquanto isso, a Scania sueca já se prepara para comercializar a versão com motor que respeita o EURO5 e EEV.

Com esses patamares de rigor, estima-se que o veículo reduza em mais de 80% as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global, em 90% de material particulado e em 62% de NOx (óxidos de nitrogênio) e não emita enxofre, responsável pela chuva ácida.

Poucas adaptações - A adaptação do motor diesel para o etanol não requer mudanças significativas, segundo a Scania. Entre as mudanças estão o aumento na taxa de compressão 28:1 (nos motores diesel convencionais é de 18:1), alterações na bomba injetora e uso de injetores com maior capacidade volumétrica.

Uso do etanol brasileiro favorece modelo econômico
Mais do que estimular o uso do etanol no transporte público, a iniciativa lançada pelo Cenbio, empresas parceiras e União Européia avança na discussão sobre o modelo econômico de desenvolvimento que o Brasil busca atualmente.

Segundo maior produtor de etanol, atrás apenas dos EUA que extrai o produto do milho, o Brasil tem hoje uma safra de 17,8 bilhões toneladas de etanol e deve chegar a 2012 com 37,5 bilhões, segundo a Única.

De acordo com a Unica, para cada 300 milhões de toneladas de cana-de-açúcar produzidas no Brasil, criam-se aproximadamente 700 mil postos de trabalho. O estímulo à produção, aumento do consumo e à exportação de etanol podem ajudar na criação de mais empregos no campo e na redução da necessidade que o Brasil tem do petróleo.

Diante do quadro, somado às vantagens competitivas ambientais, como a redução das emissões dos gases poluentes, o uso do etanol em motores diesel oferece uma série de benefícios e pontos favoráveis ao modelo para o Brasil. São eles: diversificação da matriz energética no setor de transportes, uso de um combustível nacional, infra-estrutura de distribuição compatível com a existente no Brasil e interesse de vários setores do governo em apoiar o produto.


BEST precisa vencer desafios no Brasil - O modelo de transporte público movido a etanol precisa, no entanto, receber incentivos do Poder Público, uma vez que é uma alternativa sustentável. Estudos indicam que o ônibus consome aproximadamente 60% a mais de etanol do que de diesel para percorrer a mesma distância. Mesmo o etanol sendo 50% mais barato que o diesel, as despesas precisam de análise, pois há a necessidade de acrescentar o custo do aditivo. Por enquanto, a sueca Sekab é a única empresa a produzir aditivo para motor a base de etanol.

Além disso, o etanol precisa ser aditivado para ser utilizado em motores diesel, pois o combustível não tem propriedade de auto-ignição por compressão, que é a tecnologia do motor diesel. Isto é necessário para que a combustão ocorra mais rapidamente e com maior eficiência energética. O aditivo que proporciona a auto-ignição do etanol também foi aperfeiçoado e hoje chega à terceira geração. Ainda como desafio ao uso do etanol no transporte público, resta a produção do veículo e aditivo no Brasil.


Ficha técnica do motor DC9 E02
EURO 5 e EEV
Taxa de compressão de 28:1
Injeção eletrônica
Injetores com maior capacidade volumétrica
Atraso de injeção otimizado
Gaxetas e filtros alterados
Válvulas, assentos e molas diferentes
Maior capacidade de combustível (400l)
270 hp (199 kW) @ 1900 rpm
1200 Nm @ 1100-1400 rpm
5 cilindros
UI (“Unit injectors”)
Eletrônico
EGR – Recirculação dos Gases de Exaustão
Intercooler ar-ar

Os números do etanol
7 mil litros por hectare é a produtividade do etanol brasileiro oriundo da cana-de-açúcar, para 3 mil por hectare em relação ao etanol americano, extraído do milho.
335 unidades produtoras de etanol na safra de 2006/07 no Brasil
5.460 mil hectares é a área de colheita de cana-de-açúcar no País
425,6 milhões toneladas é a produção da cana-de-açúcar na última safra
17, 8 bilhões de litros é a produção do etanol na safra de 2006/07
3.8 bilhões de litros de etanol exportados

Previsões para 2012 e 2013
409 unidades produtoras
8.327 mil hectares área de colheita
684,7 milhões de toneladas de produção de cana-de-açúcar
35,7 bilhões de litros de produção na safra
7 bilhões de litros para exportação

Fonte: Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar)
Foto - Leonardo Colosso

Um comentário:

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

O etanol pode, sim, sofrer "auto-ignição" por compressão, mesmo sem misturas com aditivos especiais (ou mesmo óleos de origem vegetal que já teriam um efeito semelhante, como o óleo de mamona bastante usado na produção de óleo lubrificante para motores de kart e aeromodelos). O maior problema do uso do álcool em motores de ignição por compressão (ciclo Diesel) é pela redução da lubricidade em comparação com o diesel convencional ou o biodiesel, devido ao álcool ser mais "seco", prejudicando mais a bomba injetora que qualquer outro componente. Em algumas fazendas de cana e usinas o álcool chega a ser usado em motores a diesel sem maiores alterações, sendo injetado da mesma forma que ocorre com o diesel. Outra circunstância em que o álcool é usado em motores a diesel ocorre quando é injetado junto ao ar da admissão e aspirado através das válvulas, e uma chama-piloto gerada pela ignição do diesel promove a queima.