segunda-feira, 31 de março de 2008

Novo Honda Fit


Quando a Honda lançou o Fit nos Estados Unidos, em 2006 (cinco anos depois da estréia), os concessionários reclamaram. Não do produto - que, aliás, virou líder de seu mercado nas pesquisas de satisfação do cliente, como já acontecia na Europa e no Brasil. Reclamaram da quantidade enviada pela montadora. No mercado mais competitivo do mundo, aquele carro com 5 anos de idade tinha fila de espera. Esse caso mostra como, de certa forma, os planos da Honda deram errado. A empresa mirou no público japonês, que pedia um carro prático, econômico e durável, e acabou acertando em lugares inesperados. Nessa segunda geração, lançada em outubro de 2007 no Salão de Tóquio e, por enquanto, à venda apenas no Japão, o que foi um acaso bem-vindo virou obrigação: agradar ao mundo. Todo mundo.

A parte que nos importa nessa história começará no Salão do Automóvel de 2008, em outubro. O novo Fit que será montado no Brasil já está pronto e já foi flagrado rodando por aqui em dezembro, livre de disfarces, em Campinas (SP). As principais diferenças em relação ao modelo japonês estão no sistema flex de injeção e, naturalmente, no volante do lado esquerdo. Na ambição de agradar até aos moradores do norte do Japão, que sofrem com a neve nas estradas, a Honda passa a oferecer, como opção, um sistema de tração integral.


Adeus, Pokémon


A lista de pedidos verdeamarela parece mais fácil de resolver. Se no Japão o Fit básico custa 1 197 000 ienes (o equivalente a 19 780 reais e a oito meses de salário de um faxineiro em Tóquio) e faz sucesso entre jovens universitários, no Brasil é carro de família e símbolo de status. Nesse aspecto, a primeira geração fica devendo requintes. Não gostamos da parte elétrica em geral: o vidro elétrico não é do tipo um-toque para todos, as janelas não fecham ao travarmos as portas, a luz interna não acende de forma gradual... Caprichos que um Fiat Palio - mais simples, mas criado com os dois olhos no Brasil - é capaz de trazer. Tem outra coisa: se por um lado ninguém discute a funcionalidade do Fit, quando o assunto é beleza, a conversa vira polêmica.


Pois o modelo 2008 (que para nós será vendido como linha 2009) entrou na faca. Um facão, como sugerem as formas talhadas em cortes retos na frente. A antiga expressão Pokémon deu lugar a um certo ar de Charles Bronson. O queixo quadrado é um artifício de design que serve para neutralizar a sensação (real) de que o carro está mais volumoso: as dimensões mudaram pouco (mais 5,5 centímetros no comprimento, 2 na largura e 5 no entreeixos), mas o pára-brisa passou a avançar mais e agora casa-se ao capô quase sem mudança de inclinação. Aquelas janelinhas triangulares, que eram quase enfeite, triplicaram de tamanho e agora ajudam a enxergar o que se esconde no caminho para virar a esquina. Se não parece tanto na foto, é porque os retrovisores, que serviriam de parâmetro, também cresceram (30%). A altura da carroceria não variou, mas mudanças na plataforma permitiram baixar o piso da cabine em 7,6 centímetros. Assim, a cabeça do motorista ganhou mais espaço - e mais idéias tentadoras. A possibilidade de ajustar o assento mais para perto do asfalto aproxima o Fit dos carros de passeio comuns.


Esportividade num Fit? Não na versão básica G, escolhida para o test-drive, com motor 1.3 (vendido no Brasil como 1.4) e câmbio CVT. Mas mal podemos esperar para ver como ficará o animado modelo 1.5. Segundo a Honda, a nova carroceria está 164% mais rígida (em outras palavras: é preciso mais que o dobro da força de antes para, segurando pelos pontos de fixação dos amortecedores, conseguir torcer o carro em 1 grau), com a adoção de materiais mais nobres (veja quadro no final da página). Suspensão e caixa de direção também tiveram seus pontos de ancoragem mudados, para ficarem menos sujeitos a torção. Como a carroceria inteira tornou-se mais resistente às forças da natureza, foi possível amaciar em outra ponta. Molas e amortecedores estão mais flexíveis - isso é um problema do modelo nacional. Foi difícil encontrar, no asfalto japonês, buracos que permitissem pôr à prova essa promessa. Mas jornalistas que andaram no campo de provas da montadora no evento de apresentação dizem que o carro continua firme, mas sem pancadas. Num teste de dirigibilidade padrão da Honda, o novo carro se mostra tão estável, a 177 km/h, quanto o nosso é a 80 km/h.


Mesmo se não mudassem a estrutura e o acerto de suspensão, o novo Fit aparentaria estar mais esportivo e confortável. A cabine ganhou um banho de loja e quem ajudou a escolher as roupas foi o exsimpático- e-agora-arrojado Civic. A inspiração mais evidente está na alavanca de câmbio. O volante de três raios (com forração de couro, comandos de rádio e piloto automático no volante) só não é igual ao do irmão por lhe faltar a base achatada. Não temos aqui o painel de dois andares, mas há iluminação permanente e um visor flutuando no centro do velocímetro. Trata-se do computador de bordo, que tanto faz falta no primeiro modelo. A recirculação do ar-condicionado continua sendo acionada por uma alavanquinha (e o tampão que ela move, dentro do painel, ainda faz barulho ao fechar). Mas agora há, como opção, um aparelho digital. Aliás, tem de tudo no catálogo de opções: teto solar panorâmico, câmbio automático de cinco marchas com borboletas no volante (como no Civic), banco dianteiro que gira para facilitar o acesso (popular entre portadores de deficiência física - a Honda bem que poderia importar) e câmera para manobras de estacionamento.


Detalhes sutis reforçam a idéia de que o novo Fit resolveu amadurecer. Na primeira geração, os plásticos da cabine têm furinhos redondos. Na cartilha de significados de quem faz carro, texturas geométricas (como no Corsa) são futuristas e agradam ao público jovem. Pois agora o Fit usa textura tradicional, com nervuras que imitam couro. Deixam a cabine mais aconchegante, embora a qualidade do plástico continue simples, sem superfícies emborrachadas. Apoios de cabeça de embutir melhoram a visibilidade para trás. Os bancos dianteiros cresceram 20 milímetros em largura, 15 em profundidade e 10 em espessura de espuma. Parece pouco, mas tem um valor simbólico: o Fit passa a adotar a estrutura usada no Civic.


Mas japonês bebe tanto assim?


O Fit está mais parecido com um sedã, mas não se esqueceu das versatilidades típicas de um monovolume. A nova cabine tem dez porta-copos. Dois por passageiro! Conte comigo: dois no painel, um em cada porta, dois diante da alavanca de câmbio e dois para os passageiros de trás, junto ao prolongamento do console. Como o pára-brisa avançou, sobrou espaço para alojar o airbag do carona mais para longe e pôr, no lugar original, um segundo porta-luvas. Chegaram a criar um porta-revistas na parte de baixo do assento traseiro, que só dá para usar quando o banco estiver dobrado como um canivete. O sistema modular de bancos (ULT), que era um primor de praticidade, melhorou. Antes você deitava o encosto do banco para ganhar espaço no porta-malas e, ao puxar de volta, ele levantava junto o assento. Agora, não mais.


Reclamações? Sempre existem e vão existir. Ao bloquear o vidro elétrico das crianças, no banco de trás, o Fit continua censurando o da esposa, e as janelas não fecham ao trancarmos a porta. Uma queixa é nova: a lingüeta que destrava o capô fica ao alcance da mão direita - e isso leva a usar a mão esquerda para levantá-lo. Mas a vareta que segura a tampa aberta gira para o lado esquerdo, e então os braços se cruzam. Quando as reclamações ficam intrincadas desse jeito, é sinal de que faltam defeitos mais simples para criticar. Como você vê, o Fit mudou, mudou... mas não mudou nada.








(Revista Quatro Rodas)

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