sexta-feira, 26 de outubro de 2007

“Falta muito?”

A viagem a São Roque, interior de São Paulo, com as filhas de 7 e 11 anos prometia ser inesquecível. Meia hora depois de colocar o cinto de segurança e devorar pacotes de salgadinho, entretanto, Carlos Carreira, coordenador de produtos, sabia que o alto astral acabaria derrotado pelo estresse. Isso porque teria de enfrentar as mesmas perguntas durante todo o percurso, quase cem quilômetros, uma hora de estrada: vai demorar? Falta muito?

A chateação vivida por Carreira é compartilhada por muitas pessoas que viajam de carro com crianças. No mês de férias, em que se costuma fazer passeios mais longos, a impaciência dos ocupantes do veículo tende a inflamar. “Ao mesmo tempo em que penso no roteiro, fico imaginando o que fazer para escapar do ‘tá chegando?’ Haja paciência”, desabafa o coordenador.

Olhar de descoberta

O prazer da viagem deve estar associado não só ao ponto de chegada, mas também ao percurso que leva a ele. Com a correria do cotidiano, o caminho pode ser um momento mágico para aproximação, aprendizado e diversão.

Na viagem a São Roque, Carreira conta que resolveu o problema contando sobre os diferenciais da região. “Expliquei, por exemplo, o que era uma vinícola, como se fazia o vinho. Quando falei sobre a parreira, minha filha mais nova perguntou se era o treinador da seleção”, diz, achando graça da situação. “Agora, encaro as viagens como uma oportunidade de conhecimento para todos nós.”

A dona de casa Antônia Zaninette, que viaja com os filhos de sete e 17 anos nas férias escolares, diz que se desespera com a insistência: “Já experimentei contar o que há de legal na cidade e o que poderemos fazer ao chegar, mas essa tática apenas aumenta a ansiedade do mais novo, que não vê a hora de chegar. Com a demora, ele se irrita e fica agressivo com a irmã. É briga na certa”, reclama Zaninette.

Gritos e confusão não são só desagradáveis, mas também perigosos, já que o condutor pode se assustar ou se virar para acabar com a algazarra, e acabar causando um acidente. O mais indicado é parar o carro em lugar seguro – nunca no acostamento, mas nas baias de descanso ou num posto de gasolina – e resolver o problema com calma.

De olhos bem fechados

A psicóloga Maria Cleuza Castoldi diz que é essencial lançar mão de alguns recursos para reduzir a ansiedade no carro. “Para acalmar os ânimos, uma idéia é propor uma visualização lúdica. Peça para a criança fechar os olhos e imaginar uma luz azul, depois, sugira que ela entre nessa luz. Dê um tempo e peça para a criança contar o que está vendo lá”, recomenda a psicóloga.

Castoldi aconselha também pedir à criança que faça um desenho e depois conte a história dele. “Sempre saem coisas maravilhosas”, diz.

Veja outras dicas bastante úteis para usar com a garotada:

A descoberta do mundo – eis a primeira dica: descubra qual é o principal atrativo do local para onde você vai, os pontos históricos, o tipo de vegetação, pessoas ilustres que passaram por lá, suas próprias história ou a de seus antepassados; se for a primeira vez, o que o(a) atraiu à região. Mesmo nos locais já conhecidos há sempre o que ser revelado. Durante o caminho, vá narrando os fatos. Mas nada de bancar o professor; o segredo aqui é despertar a curiosidade para a descoberta do mundo, dando asas ao imaginário infantil.

Porta-surpresa – Aproveite o porta-treco do carro para causar uma boa surpresa no momento mais tedioso. Um sugestão é esconder nele um livro de charadas (“o que a esfera disse para o cubo?” Resposta no rodapé). Veículos que têm porta-trecos grandes, como Picasso, Zafira e Scénic, merecem ser amplamente explorados.

Despertar o gosto pela leitura pode ser outra vantagem a se tirar do “enquanto isso”. Alguns livros são infalíveis, como os da autora brasileira (premiada no mundo todo) Lygia Bojunga Nunes, ou de Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ricardo Azevedo, entre outros.

ABC da brincadeira – Escolha a primeira letra de uma placa de carro e sugira que cada um encontre um nome de animal, fruta, país, capital etc. que inicie com ela. O ganhador terá direito de escolher a próxima letra e assunto.

Ainda observando as placas dos carros, escolha uma e peça às crianças que formem frases. Por exemplo: BGV -1112, Borboletas Gostam de Voar.

Conta uma história? – Para o caso de o seu repertório esgotar, leve alguns CDs de história para crianças. Dificilmente elas se cansam dos clássicos contos de fadas.

Com a mão na massa – livros para pintar, desenhar, fazer palavras-cruzadas. Prefira lápis de cor, para não sofrer com riscos no banco depois.

Quem é você – Com essa brincadeira você vai saber mais sobre as pessoas que ama. Ganha a partida quem adivinhar o filme, prato, amigo, cor, animal etc. de que o outro participante mais gosta.

Último recurso – Se a viagem for muito longa, invista também em um DVD para veículos. A instalação da tela para o banco traseiro é permitida (para o motorista não). Nada como um bom desenho ou um filme divertido para acalmar os ânimos.

Vaca amarela – ótima brincadeira para os momentos em que é preciso silêncio absoluto. Para ser seguida à risca, sugira uma boa recompensa.

E se o jeito for responder com precisão à pergunta “quanto tempo falta”, utilize a estratégia de Sandra Regina Carrasco, assistente administrativa. “Tento associar o tempo a uma outra atividade do meu filho. Se faltam três horas para chegar, digo que é o tempo que ele leva na escola, do início da aula até o intervalo”, conta.

Não esgote as dicas de uma única vez. Insira uma delas a cada nova pergunta ou briga entre irmãos. Com essas sugestões, o trajeto de ida e volta ganhará um sabor inesperado. Afinal, como dizia a escritora Clarice Lispector: “O que importa é o caminho e não a velocidade”.


(Resposta da charada: "deixa de ser quadrado").

(Yahoo)

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