A grandeza de Ayrton Senna não se mede em estatísticas, mas sim em seu registro de corridas. Senna era determinado pelo sucesso, e sendo assim sempre conduziu de forma a buscar o limite do carro, o limite da máquina.
ESTATÍSTICAS DA CARREIRA
Corridas: 162
Vitórias: 41
Pole Position: 65
Campeonatos de piloto: 1988, 90, 91,
Times: Toleman, Loto, McLaren e Williams
Nascido: 21/3/60 (em São Paulo, Brasil)
Morto: 1/5/94 (Imola, Itália)
GP de Mônaco de 1984, show sob chuva violenta - Alain Prost larga na frente mas Nigel Mansell, então um obscuro piloto inglês, toma-lhe a liderança na 10ª volta. Era a primeira vez na vida que ele liderava uma corrida e, sintomaticamente, bate logo depois. Sua explicação: derrapou ao frear sobre a faixa que divide a rua...
Senna, pilotando um Toleman, ganha cinco posições na primeira volta, depois de largar em 14º. Na 10ª, já é 6o, na 15a 3o, e na 19a 2o, 35 segundos atrás de Prost, que voltara à liderança.
Dez voltas depois, a diferença caíra para 11,7 segundos. Era apenas uma questão de tempo para Senna alcançar o francês. Ele realmente ultrapassa Prost na volta 32 mas o resultado da corrida seria o da passagem anterior. A chuva aumentara ainda mais e Jacky Ickx, diretor da prova, decide interrompê-la. Ickx não precisou justificar a sua atitude: o regulamento dava a ele o direito de interrompê-la em situação perigosa. Mas podia-se discutir à vontade porque o fez na volta 31.
A chuva apertara há relativamente poucos minutos e Ickx podia ter esperado mais duas ou três voltas para tomar uma decisão. Certamente colaborou para a interrupção o fato da prova ser liderada com certa folga - até o momento - por um piloto influente de uma equipe influente. Também contribuiu o fato de um garoto que ninguém conhecia, vir descontando a diferença numa velocidade alucinante num carro que ninguém levava realmente a sério.
Contribuiu ainda para a interrupção o fato de oito carros já terem batido, ainda que sem consequências mais sérias. Uma corrida em Mônaco já é uma overdose de stress para quem a organiza. Com chuva, então, é como brincar com fogo. Ickx talvez tenha pensado: todo mundo já se divertiu, Prost vai ganhar, o tal Senna vai ter mais do que poderia sonhar, ninguém se machuca e ainda vamos para a casa mais cedo. Talvez tenha sido só isso. Talvez tenha sido apenas pressão da McLaren ou uma reação natural ao choque de ver um menino correndo para a vitória daquele modo e naquelas circunstâncias na sua 5ª corrida. Mostrava ali que um grande piloto surgia para fazer história na Formula 1
GP de Portugal de 1985, a primeira vitória - Em 85, Senna corre pela Lotus equipada com motor Renault e chega a sua primeira vitória no GP de Portugal. Ele faz a pole, a primeira de uma longa série, melhorando em sete décimos o tempo do ano anterior.
O motor do Lotus explodiu no warm up, levando junto o câmbio e parte da suspensão. Foi preciso trabalhar muito e rápido para aprontar o carro para a largada. Não havia como ter certeza de que estava tudo em ordem. Senna teria de ir para a corrida sem saber se o carro sequer sairia do lugar. E aí veio a chuva. Ele não tinha feito nenhum treino com o Lotus e com os pneus Goodyear sob chuva.
A chuva forte durou toda a corrida. Como na primeria vitória de Piquet, se tratou de uma corrida sem graça. Senna dominou-a desde o primeiro metro, nunca foi pressionado nem teve qualquer problema com o carro. Ele simplesmente foi embora, sem dar qualquer esperança aos outros pilotos.
Foi recebido como um herói pela equipe Lotus, e encerrava um jejum de três anos sem vitórias. Senna vai vencer, de novo sob chuva, o GP da Bélgica, em Spa-Francorchamps. Poderia ter vencido também em San Marino e Inglaterra mas fica sem combustível a poucas voltas do final. Naquele ano, pela primeira vez na história da Fórmula 1, as autoridades esportivas haviam imposto um limite de consumo de combustível - 220 lts - para um GP. Senna, pelo seu estilo de pilotagem, era um piloto particularmente gastador de gasolina. Ele liderou também em Mônaco, Detroit e Alemanha mas quebra ou se atrasa.
Mas esta era apenas uma parte do show. Senna marcará a pole ou o 2º tempo nos treinos de nove das 14 provas seguintes a Portugal. Vê-lo disputar a pole será um espetáculo à parte pelo resto da sua carreira.
GP dos Estados Unidos de 1986, o retorna da alegria - Ayrton Senna tinha uma missão no GP dos EUA, em Detroit. Na véspera da corrida, a seleção brasileira perdeu para a França nos pênaltis e foi eliminada da Copa do México. Os brasileiros viraram-se então para Senna, torcendo para que ele derrotasse o francês Alain Prost e vingasse o fracasso no futebol. A prova foi disputada: ele dividiu a liderança com Nigel Mansell, René Arnoux e Jacques Laffite, mas, ao fim, levou a melhor, desfilou com a bandeira nacional pelo circuito americano e aliviou a dor dos torcedores.
GP do Japão de 1988, o primeiro título mundial - Senna e Prost ocupavam a primeira fila na largada do GP do Japão. Luz verde e o inusitado acontece: o carro de Senna tem o equivalente a um soluço. Dura três, quatro, cinco segundos, o suficiente para 14 carros passarem pelo brasileiro. Senna conseque retomar velocidade e recupera seis posições na primeira volta. Na 2ª, já passa em 6º, nove segundos atrás de Prost. Mais uma volta e começa uma garoa leve que obrigou o francês a reduzir seu ritmo.
Quando os dois McLaren aparecem na mesma reta, na 27ª volta, o público se levanta. Não importava que Prost tivesse problemas com o seu carro. Importava que Senna, um ídolo tão grande para os japoneses quando para os brasileiros, tinha recuperado tudo o que perdera naquela largada desastrada e ia ganhar e ia ser campeão - O Campeão.
Ao receber a bandeirada, Senna esmurra o próprio capacete numa comemoração muito parecida com a de Portugal, em 85, como se depois daquela vitória, só o título merecesse ser comemorado.
GP do Japão de 1990, o bicampeonato com gostinho de vingança - Ayrton Senna conquistou seu bicampeonato no penúltimo GP da temporada de 1990. Foi em Suzuka, no Japão, que o brasileiro deu o troco no rival Alain Prost, que um ano antes havia vencido o campeonato de forma pouco ética. Naquele GP, o francês "fechou a porta" quando Senna, nas voltas finais, tentou ultrapassá-lo. Houve o choque e os dois saíram da pista.
Senna ainda voltou ajudado pelos comissários, mas acabou desclassificado. Um ano depois Senna deu o troco na mesma moeda e local. Prost precisava da vitória para levar a decisão para o último GP, na Austrália, e também não podia provocar um incidente com Senna, já que desta vez o prejuízo seria seu. O suspense durou menos de dez segundos. A Ferrari do francês, que largou na segunda posição do grid, conseguiu tomar a dianteira, mas Senna forçou o carro e entrou por dentro na tomada da primeira curva.
Então nenhum dos dois deu o braço a torcer. A roda direita traseira da Ferrari tocou na dianteira esquerda da McLaren e os carros saíram da pista, fazendo uma imensa nuvem de areia. A corrida não foi paralisada e Ayrton conquistava o bicampeonato mundial de F-1.
GP do Brasil de 1991, a primeira vitória em casa - Senna já era bicampeão mundial (1988 e 1990), e ainda não havia vencido em casa. A vitória era um objetivo fixo do campeão. As Williams, pilotadas por Nigel Mansell e Ricardo Patrese eram mais rápidas, impulsionadas pelos motores Renault, que começavam a despontar como concorrentes sérios aos até então imbatíveis Honda que equipavam a McLaren de Senna. A disputa pela pole position foi um prenúncio do que seria a prova. Senna conseguiu a pole na última volta, marcando 1m16s392, contra 1m16s775 de Patrese.
A corrida começou com Senna na liderança e Mansell em segundo. Os pit-stops seriam determinantes. O da McLaren foi perfeito, assim como o da Williams. Mas Mansell, com um pneu avariado, teve que fazer uma segunda parada, o que deu a Senna alguns segundos de vantagem sobre Patrese, que assumiu a segunda colocação. Neste momento, os problemas mecânicos começaram a aparecer no carro do brasileiro. Primeiro, Senna perdeu a quarta marcha, tendo assim, que passar da terceira direto para a quinta.
Depois, nenhuma marcha funcionava sem que o piloto brasileiro tivesse que segurar a alavanca de marchas para que ela permanecesse engatada. Senna teve que segurar a alavanca de câmbio com a mão direita e pilotar com a esquerda. Mansell novamente se aproximara, mas na 60ª volta, o inglês cometeu um erro que deu a Senna um pouco mais de esperança de, após sete tentativas, vencer o GP Brasil.
Mas, subitamente, a sete voltas do final, Senna, que tinha grande vantagem sobre Patrese, passou a perder sete segundos por volta, já que nenhuma marcha mais entrava. O brasileiro, desesperado, tentou engatar a sexta marcha e, por pura sorte, ela entrou. Foi aí que Senna percebeu que teria que terminar o GP Brasil de 1991 com apenas uma marcha, a sexta, enquanto a Williams de Patrese se aproximava velozmente.
O italiano, informado que Senna tinha problemas, tentou aproximar-se, mas seu carro também não estava em condições ideais. Ele tirava de dois a três segundos por volta, mas isso não era o suficiente para chegar em condições de ultrapassar Senna. Faltando duas voltas para o final, começou a chover em Interlagos, o que acabou decidindo a corrida. Patrese preferiu não arriscar-se e tratou de garantir o segundo lugar. Mas Senna não sabia disso, e, com um esforço imenso, levou o carro à bandeirada de chegada.
Após cruzar a linha final, Senna permaneceu no carro, sem forças para sair. Depois, auxiliado, entrou em um carro da organização e foi para os boxes. No pódio ficou evidente seu esforço para obter a vitória. Ele mal conseguiu levantar a taça, precisando da ajuda de Ron Dennis, para delírio da torcida.
GP do Japão de 1991, o tricampeonato e a consagração - No dia 20 de outubro de 1991, a Fórmula 1 conhecia o seu mais novo tricampeão mundial. Novamente no circuito de Suzuka, no Japão, Ayrton Senna disputava o título da temporada com o inglês Nigel Mansell, da Williams, que, logo na 10ª volta, abandonou a prova com problemas no freio.
Daí para frente Senna deu um show e comemorou em grande estilo o tri. Na volta final, quando liderava folgadamente, num gesto de companheirismo - ou por imposição da equipe - cedeu passagem ao seu amigo e companheiro, o austríaco Gerhard Berger, que assim conquistava sua sexta vitória na F-1.
Senna, então, entrava para o seletíssimo grupo dos tricampeões mundiais e também era o mais jovem piloto a conquistar essa façanha na história da F-1. E ao lado de Nélson Piquet colocou o Brasil numa situação invejável no automobilismo mundial: era o único país a ter dois tricampeões mundiais de F-1. Ainda no campeonato de 91, no último GP da temporada, Senna ganhou a corrida e quebrou um tabu de nunca vencer a prova de Adelaide, na Austrália. De passagem ainda deu o tetracampeonato mundial de construtores para a McLaren.
GP da Europa de 1993, a primeira volta mais fantástica da história da F1 - Foi assim que Senna descreveu aquela memorável vitória:"Chovia muito. Larguei em quinto mas a primeira volta foi um tiro psicológico na concorrência. Fui espremido pelo Schumacher, tive que colocar duas rodas fora da pista, passei o alemão antes da primeira curva e mergulhei à cata de Damon Hill. Passei o inglês na freada. A próxima vítima era Prost. Esperei as curvas duplas do S e como ele freou antes do normal, abriu uma brecha por onde me meti.
Com 18 voltas, a pista secou e todos pararam para colocar os pneus slicks. Resolvi pisar fundo para fugir do Williams, mas fiquei entre a cruz e a espada. Afinal, é arriscado ser rápido com pneus de seco no asfalto úmido. Mas se diminuísse o ritmo os pneus perderiam pressão e temperatura e o carro ficaria sem aderência.
Ainda tive problemas nos pit stops. No terceiro, uma roda traseira direita travou e a parada me pareceu uma eternidade. No instante de voltar a colocar pneus de chuva, o rádio não funcionou, não me ouviram, entrei e passei direto pelos boxes, sem efetuar a troca. E, para aumentar o suspense, fui avisado que tinha problemas de consumo. Mas como meu tanque vazou no grid e não houve tempo para reparar, ele ficou selado, o que impossibilitaria reabastecer.
Como a gasolina estava no limite mudei o estilo de pilotar: trocava as marchas em rotações mais baixas, aliviava o pé antes das entradas das curvas e freava com menos ímpeto. Ufa! Foi assim que cheguei vitorioso e exausto no final das 76 voltas, uma à frente do Professor Prost".
GP do Brasil de 1993, Senna nos braços do povo - No GP de 28 de março de 1993, no Brasil, em Interlagos, Ayrton Senna conseguia sua segunda vitória em casa, a 37ª na carreira e a 31ª na equipe McLaren. Nesta corrida, o rival Alain Prost liderava e, quando começou a chover forte, o francês não trocou os pneus, bateu em Christian Fittipaldi e saiu da corrida.
Senna então aproveitou e foi ganhando posições até ultrapassar o inglês Damon Hill para assumir a liderança e vencer o GP. Mas na penúltima volta, a luz que acusa a pressão de óleo acendeu. O piloto tremeu e não olhou mais para o painel de instrumentos. Ao entrar na reta começou a rezar e ainda estava em preces quando o motor apagou, felizmente 50 metros depois da bandeirada.
Como disse Senna: "Quando Deus quer ..." Foi uma vitória inesquecível que mereceu uma comemoração inédita: pista invadida pelos torcedores e Senna carregado pela multidão. O piloto brasileiro foi simplesmente arrancado do carro e comemorou a vitória nos braços da eufórica e imensa torcida brasileira presente em Interlagos.
Senna: Enfim o Rei de Mônaco - Antes da corrida avisaram a Damon Hill que Ayrton Senna poderia vencer pela sexta vez e tirar do seu pai, Graham Hill, que tinha cinco vitórias, a coroa de "Rei de Mônaco". O inglês apenas ouviu. Mas não parecia uma tarefa fácil para o brasileiro.
Alain Prost, pole, e Michael Schumacher (Benetton-Ford) dominaram a primeira fila de largada. Senna, que partiu em terceiro, achou que a prova foi até tranqüila. Cuidou-se para evitar erros nas trocas de marcha ou na ultrapassagem de um retardatário e desfilou para o recorde de seis vitórias no principado. Fez questão de dizer que teve um prazer especial em ultrapassar Prost duas vezes e colocar uma volta de vantagem sobre o rival.
"Ainda apertei o ritmo para evitar surpresas". No pódio, Senna ficou feliz com a elegância de Damon Hill, o segundo colocado. "Parabéns Rei de Mônaco. Se meu pai fosse vivo certamente viria cumprimentá-lo"
GP da Austrália de 1993, a última vitória - Havia um clima de saudade no austero boxe da McLaren, mas só Jo Ramirez, coordenador técnico do time, viu as lágrimas nos olhos de Ayrton Senna, na última largada do brasileiro pelo time inglês.
"O Jo é um chantagista", acusou Senna, ao revelar as palavras do mexicano minutos antes da luz verde.
Ramirez gritou no ouvido de Senna que o piloto já havia feito demais pela escuderia desde 1988. Era tricampeão e vencera 34 corridas pela McLaren, mas aquele seria um triunfo muito especial. Não apenas pela despedida, mas se vencesse somaria 104 vitórias da McLaren na Fórmula 1, superando o recorde que eles dividiam com a Ferrari. "Me concentrei muito na largada final, depois das duas abortadas", contou Senna. "Eu tinha um olho no Prost, ao meu lado, e outro no retrovisor, atento ao Damon Hill, que largaria logo atrás de mim. Afinal, era a minha única pole da temporada e eu não queria errar".
E não errou. Partiu na frente e começou seu último show na ruas de Adelaide. Só deixou a ponta quando parou para trocar pneus na 23ª das 79 voltas. Retomou a liderança na 29ª e cruzou a bandeirada, consagrando a sua 41ª vitória, nos 158 grandes prêmios disputados até ali.
"Convivo com o medo de morrer e ele me fascina." (1992) - Ayrton Senna
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